Direito sucessório e distinção entre cônjuge e companheiro - 2
O Plenário retomou o julgamento de recurso extraordinário em que se discute a validade de dispositivos do Código Civil (CC) que atribuem direitos sucessórios distintos ao cônjuge e ao companheiro — v. Informativo 837.
No caso, a recorrente vivia em união estável, em regime de comunhão parcial de bens, há cerca de nove anos, até seu companheiro falecer, sem deixar testamento. O falecido não tinha descendentes nem ascendentes, mas apenas três irmãos. Diante desse contexto, o tribunal de origem, com fundamento no art. 1.790, III, do CC/2002 (1), limitou o direito sucessório da recorrente a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, excluídos os bens particulares do falecido, os quais seriam recebidos integralmente pelos irmãos. Porém, se fosse casada com o falecido, a recorrente teria direito à totalidade da herança.
O ministro Dias Toffoli, em voto-vista, negou provimento ao recurso. Pontuou que a norma civil apontada como inconstitucional não hierarquizou o casamento em relação à união estável, mas acentuou serem formas diversas de entidades familiares. Ressaltou que, nos termos do art. 226, § 3º, da Constituição Federal (CF) (2), o casamento não é união estável, o que autoriza, portanto, serem seus respectivos regimes jurídicos distintos.
Nesse sentido, ponderou que há de ser respeitada a opção dos indivíduos que decidem submeter-se a um ou a outro regime. Há que se garantir os direitos fundamentais à liberdade dos integrantes da entidade de formar sua família por meio do casamento ou da livre convivência, bem como o respeito à autonomia de vontade para que os efeitos jurídicos de sua escolha sejam efetivamente cumpridos.
Salientou que a restrição imposta pelo CC/2002 ao direito sucessório da união estável, quando comparado com o regime sucessório que vigorava anteriormente, disposto no art. 2º da Lei 8.971/1994 (3) e no art. 7º da Lei 9.278/1996 (4), é legítima — assim como tantas outras restrições a direitos civis que foram estabelecidas pelo novo CC e que foram realizadas sob o permissivo constitucional —, na medida em que o legislador optou, fundamentadamente, por garantir ao companheiro herdeiro, na hipótese de concorrer com os colaterais, o recebimento de um terço da herança.
Por fim, consignou que, havendo no futuro efetivas e reais razões fáticas e políticas para a alteração dessa norma, o espaço democrático para esses debates há de ser respeitado, qual seja, o Congresso Nacional, onde deverão ser discutidas as alternativas para a modificação da norma e seus impactos no ordenamento social.
Em seguida, o ministro Marco Aurélio pediu vista dos autos.
1. “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;”
2. “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
3. “Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns; II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança. IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
4. “Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos. Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.”
RE 878694/MG, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 30.3.2017. (RE-878694)
1ª Parte :
2ª Parte :
3ª Parte :
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Decisão publicada no Informativo 859 do STF - 2017
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